Foto: Antigo Cinema São Francisco
de Cerquilho/SP Do livro sobre a
Cidade de Cerquilho/SP
E por falar em cinema...
Parte da minha infância e toda a adolescência foram marcadas por cinemas
e filmes. Período próspero da indústria cinematográfica no exterior e aqui no
Brasil, vivemos, nas décadas de 1950 e
1960 até o final dos anos 1970, a fase de ouro dos cinemas de rua.
Encontrei em um blog sobre cinemas de rua de 1960 as seguintes
informações: Fundado em 1951, Cine Teatro São Francisco de Cerquilho, da
Prop. Emp. C.A. Stape Ltda., Rua Dr. Soares Hungria, 220, com 350 lugares, dois
aps de 35m/m, funcionando quatro dias na semana, média anual de 256 sessões e
26.360 espectadores.
Cidade de pequeníssimo porte, Cerquilho já tinha, em 1951, o
seu cinema com público fiel. Era lá que nós, crianças e adolescentes da época
passávamos nossas tardes de domingo. Os filmes das sessões noturnas eram
classificados por faixas etárias de 14, 18 e 21 anos e o juizado de menores era
dos mais severos, sempre de plantão no pequeno saguão de entrada, a conferir
nossos documentos antes de chegarmos às cortinas vermelhas. Que mico ter que
devolver bilhetes por falta de alguns
meses na idade!
Adorávamos os faroestes americanos e italianos – lembro-me bem das cintas-ligas pretas e
vermelhas das bailarinas do Velho Oeste e das maravilhosas trilhas sonoras de
Ennio Morricone como a do filme The good,
the bad and the ugly, com Clint Eastwood jovem e bonitão, Lee Van Cleef
e Eli Wallach.
Ocorria muitas vezes de sairmos de Cerquilho para assistir a
filmes em cinemascope no majestoso Cine Bandeirantes de Tietê, pois em nosso
cinema não havia a tela apropriada.
Das nossas matines no Cine São Francisco, não dá para
esquecer de Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo e Zé Trindade, O Gordo e o
Magro, Charles Chaplin e algumas
importantes produções nacionais como Vidas Secas e O Pagador de Promessas.
Saímos do cinema com nó na garganta e olhos úmidos de
lágrimas quando assistimos a Marcelino Pão e Vinho e, numa tarde quente de
domingo, passaram, com a cantora argentina Libertad Lamarque, um drama antigo
e sinistro, tão triste que tive sérios enjoos.
Até hoje tenho tonturas ao ouvir a bela voz da cantora. Não fui a única, a
meninada toda saiu do cinema séria e cabisbaixa. É óbvio que preferíamos os bangue-bangues,
as chanchadas do cinema nacional e as belas
produções dos anos 60 e 70.
Às imagens e aos ritos do cenário do nosso cinema acrescento,
com saudades, a moça da bilheteria, a postura elegante do gerente, as lentes do
juiz de menores, o lanterninha que nos conduzia no escuro até as poltronas, o
técnico de projeções e o som dos projetores na parte superior da sala. Inúmeras
vezes, por falha técnica ou nas fitas muito rodadas, as projeções eram interrompidas e acendiam-se
as luzes. Imaginem o fuzuê: casais de namorados com sorrisinhos indisfarçáveis,
ui!
Nosso pequeno mundo era invadido por cavaleiros, heróis de
guerras, lindas heroínas românticas, santos, comediantes, cantores e gente
comum como nós, com tanta coisa nova a
nos mostrar e dizer, cheirinho de drops de anis e hortelã, chicletes de banana
e a deliciosa pipoca quentinha do Sr. Antoninho Ferrari. Quem viveu a
experiência sabe do que estou falando!
Elvis Presley nos deixou lembranças incríveis.
Quanta inveja do cantor sentiam os rapazes ao verem suas meninas prediletas em
delírios quando o astro do rock’n’ roll
aparecia na tela com suas calças justas, tocando guitarra, dançando e cantando. Sua linda voz e olhar
romântico deixavam as plateias femininas endoidecidas. E tomem ovos! Alguns
mais furiosos chegaram a atirar ovos em direção das frenéticas garotas.
É desaconselhável e de mau gosto
atirar ovos em alguém, mas éramos uma grande família em nossa pequenina
cidade e ninguém ficou magoado, sem contar que era muito mais divertido ver a
performance de Elvis na tela com os
garotões se contorcendo de ciúmes nas
poltronas.
Coisa de cinema, não há dinheiro que pague a pureza dessas
endorfinas!
Texto publicado na Revista Vitrini - Fevereiro de 2014