quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Conversa entre João Sabaiá e Manuel do Rego





Conversa entre João Sabaiá e Manuel do Rego
            - Do livro das Incomodações - Zelita Matraqueira

A breve história começa debaixo de um jatobá carregado de frutos.
- Q’uinda mar lhe pergunte, Sabaiá, sem mardade alguma da parte minha, - donde é qui anda a tar Maria de Zé Gomes?
- Maria,  mais cá num anda, home. Maria é coisa de rio, moça qui vira cobra d’água. Ind’onte vi a serpentinha  na pió das horas do tempo, vestida co’as roupa que Eva deixou na porta do Paraíso. Desceu boiando pras banda donde o rio e a curva fazem cabeceira pra mor de sentir perfume da flor do jambeiro-vermelho.
- Conte mais, home, conte... insistia Manuel. Sem as roupa de baixo?
O homem estava curioso de só se ver.
- Acha que eu minto pra ocê, Manuel?Espanto num me fartô de vê aquela moça linda levada nas água da tempestade, sem roupa, nem de cima nem de baixo, só uma frorzinha amarrada...
Foi’ntão que ela virô aquels  zóinhos pretos de jabuticaba e com riso matreiro caçoou de eu:
‘Medroso!
– Quem boia pra cima de água
Num tem medo de correnteza.
Só se afoga e morre nela
Quem num sai da profundeza.’
Etelvina, moça prendada e estudiosa, filha de Manuel do Rego que escutava a conversa, saiu com esta:
 Queria ser iguarzinha Maria!
 Áarah,  toma tento, peste de menina. Vórta pra casa e vê se num sai mais de  dentro! Te vejo no quarto do fundo!
Etelvina correu pra dentro do quarto do fundo e os dois, João Sabaíá  e Manuel do Rego  continuaram a prosa, a falar de Maria, filha de Zé Gomes.
- Nada de mardade, diziam com ares satisfeitos, é só constatação.  Que caia um desses fruto cascudo em nossa cabeça se é que assim não é.