terça-feira, 1 de novembro de 2011

Embalos de sábados e domingos, "A Voz de Tietê"


Um amigo perguntou-me se eu sabia qual a música que tocava no serviço de Alto-Falante A Voz de Tietê como fundo musical entre os anos 1964 a 1968. Lembro-me bem de muitos sucessos da época e de como funcionava o serviço, mas aquela música...
A Voz de Tietê era a nossa rádio da época. Suas instalações ficavam sempre nas proximidades da Praça Dr. Elias Garcia, ponto de encontro da juventude tieteense além de inúmeros visitantes. No início, e durante muitos anos, o estúdio funcionou no Hotel Cuitelo, Bar do Japa. Mudou-se depois para a residência do Sr. Zuza, um dos gerentes do Cine Bandeirantes e anos depois para o Salão Paroquial.
Costume de pequenas cidades do interior do Brasil, era divertido, animado e romântico passear em volta dos coretos e fontes dos jardins, até mesmo em ruas e avenidas, aos sábados e domingos à noite ao som de belas músicas que embalavam os encontros românticos. Em minha lembrança, tudo era dança, ritual, gestual de uma época em que moços e moças, ingenuamente se encontravam para se olharem e, no máximo, conversarem. A maioria desses encontros virava namoro, noivado e até casamento!
Rapazes e moças andavam em rodas, sempre em direção contrária para poderem se olhar, obviamente. A volta do olhar, ah, os olhares... prometiam! Se as promessas fossem sinceras - a conversa do olhar tinha valor imensurável - o moço ia para a roda externa para esperar a jovem que ia com as pernas bambas ao seu encontro. Ele também aguardava aflito, ela podia não ir... Emoção, sensações desconhecidas, quase aos tropeços, se aceitasse, a moça saía para conversarem e se conhecerem melhor, ali entre as belas árvores e palmeiras imperiais do majestoso jardim. Usávamos dizer: “pegar a praça”, isto é, passear no jardim para olhar, flertar, namorar...
Mas o ritual, antes do primeiro encontro incluía o oferecimento de músicas no Serviço de Alto-Falante que funcionava às terças e quintas-feiras, sábados, domingos e feriados, das 20:00 às 22:00 horas. Os locutores do serviço “A Voz de Tietê” selecionavam as mais belas músicas da época cantadas por Nat King Cole, Paul Anka, Neil Sedaka, The Paltters, Carlos Gonzaga, Carlos José, Anísio Silva, Nelson Gonçalves, Cely e Tony Campello com versões do querido tieteense Fred Jorge, orquestras famosas: Ray Conniff, Billy Vaughn, Glenn Miller e outros sucessos em discos de 78, 45 e 33 rpm.
As músicas mais tocadas foram: Cabecinha no Ombro, Esmeralda e Estúpido Cupido e o prefixo, bem como o sufixo musical – termos usados para a abertura e encerramento dos serviços - por muito tempo foi um dobrado das Forças Armadas. Em feriados cívicos, quando o Hino Nacional era tocado, todos paravam solenemente, mesmo os transeuntes nas calçadas. No ano de 1958, durante a Copa do Mundo de Futebol, A Voz de Tietê transmitia os jogos com a praça lotada, geralmente nas manhãs de sábados e domingos para alegria dos torcedores de todas as idades.
Os disc-jóqueis, com suas belas vozes, cuja impostação imprimia ainda mais emoção aos recados com fundo musical, tinham técnica própria para silenciar e emocionar o público jovem ávido para ouvir os recadinhos. Lembro-me de um que me foi dirigido: “Alguém de terno cinza e camisa branca oferece a música Only you com The Platters para uma jovem de Cerquilho de cabelos lisos com franja, que está usando um vestido rosa choque. Meu Deus, sou eu... pensei, tremendo...! Mas não pude ir me encontrar com ele, era muito nova e não tinha permissão para conversar com rapazes, meu irmão mais velho que o diga!
O toque mais romântico dos recados eram as reticências e entrelinhas: “Alguém, podia ser uma jovem, elas também ofereciam músicas, que se encontrou com alguém no domingo passado em frente ao Cine Bandeirantes oferece a música tal que esse alguém gosta muito, três pontinhos (...) - era assim mesmo, três pontinhos... O que diziam as reticências? Somente os “alguéns” sabiam... três pontinhos... que delícia!
Alguns dos locutores da época foram: Benedito Teixeira Pinto, Bene; Calife Jorge que foi locutor da Rádio Aparecida; Hilário que foi para Piracicaba e trabalhou em duas rádios como locutor, José Maria Lara, João Paladine, Américo de Jesus Lopes e Luís Moreto Vicentim, Playboy e Beliscão – em Tietê nunca faltaram os apelidos – faziam muito bem o trabalho no serviço “A Voz de Tietê”.
“Ao som deste prefixo musical, vai ao ar o serviço de alto-falante A Voz de Tietê... Que emoção, mais uma noite de música e romance. Mas ficávamos tristes quando às 22:00 horas éramos chamados a ir para casa com a voz do locutor a anunciar: “Ao som deste sufixo musical, sai do ar o serviço de alto-falante A Voz de Tietê...” Até a próxima noite!
Mas, e a música do meu amigo? Ah, emocionado, ele me disse qual delas ficou marcada em sua lembrança e, convenhamos, muito linda mesmo, Afrikaan Beat com Bert Kaempfert e orquestra. Lembrei-me da música tocando no jardim e recordei muita coisa boa. Valeu, amigo, José João Fadine!
Para este comentário, contamos com o auxílio muito especial de Américo de Jesus Lopes, Playboy, um dos locutores da época e Walter José Carlos Aronchi, um dos visitantes que vinha de São Bernardo do Campo para aquelas deliciosas noites em nosso jardim.

- Crônica publicada na revista Vitrini – n. 48 – Outubro 2011-11
-Foto – Coreto do Jardim de Tietê – Praça Dr. Elias Garcia, o mesmo citado na crônica

2 comentários:

  1. Regina, que beleza de texto! Quantas lembranças boas! Muito bem retratado o nosso tempo dourado! Nada escapou à sua narrativa, maravilhoso! Amei! Obrigada!

    Bjos

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  2. Cara Regina
    Belo texto de suas lembranças afetivas.
    Abraços,
    Prof. Joani

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