sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Conheço as explosões

- Texto autobiográfico

Nasci nove meses após uma grande explosão, antes da data prevista por minha mãe que sempre me chamou de apressadinha.
Como explicar? Vagões de trem carregados de dinamites explodiram em frente à nossa casa e a pequenina cidade de Cerquilho/SP foi para os ares. Se eu não nascesse ali, como explicar tantas formações de cirros em meus humores.
Não sei como contar o fato historicamente, não vi.
Minha mãe estava grávida de mim, dias apenas de uma barriga que iria se expandir com moléculas de meu pequenino e inquieto embrião.
Mas senti o horror de estar numa barriga que tremeu muito e sentiu que poderia explodir junto com a nitrocelulose, algodão-pólvora das dinamites do carregamento dos vagões.
Ouvi fortes estrondos e em seguida os gritos; tenho isto registrado em minha memória mais longínqua, em sentimentos de lembrança. Só não vi o sangue dos feridos que dentro de mim é vertente de onde jorram as veias alucinantes de uma tragédia anunciada, pois como relatam alguns historiadores, a explosão criminosa teria sido causada por motivos políticos.
Respirei o gás nefasto das dinamites e sempre soube que sou parte dessa explosão que me fez um ser que ama a eloquência, discussões e polêmicas. Sou briguenta.
Sei também, pela fraca respiração e baixa contagem das células de defesa em meu sangue que meu frágil ser sofreu sequelas irreversíveis em seus primeiros dias de vida. Dribláveis. Pois tenho para mim que ninguém sobrevive a uma grande explosão com dias de vida na barriga da mãe para depois morrer bestamente. Se a vida começou com a explosão de vagões, há de culminar com um Big Bang. Para pouca bobagem não se salva ninguém!
Muitas vezes sou ar irrespirável e com muito jeito, ou mesmo sem nenhum, peço às pessoas que o achego pra perto de meus carregamentos seja feito com cuidado. Sou feita de um moto- contínuo de pequenas e grandes explosões. As dinamites, se não causam catástrofes externas, deixam corrosivas marcas de implosões.
Esse é um fragmento de mim. Outros são de mansidão e placidez, trem caipira que corre entre serras verdinhas e leva perfume de magnólias para o mundo quando o vento vem beijar as margens das ferrovias. Trem de ferro, trem de aço, trem de vida e morte, trem de dia, trem de noite, nitrato e algodão, faísca que explode, chama que aquece de mansinho, suave frescor.
Amo as contradições. Sou retrato do embrião que optou por não explodir no ventre da mãe para nascer nove meses após somente porque havia no ar a promessa das magnólias que um dia estaria jogando suas pétalas ao vento, perfumando os mitos, lado a lado com os átomos da grande explosão de um trem que sempre corre em direção do que acaba de partir, sem nunca ter que chegar.

2 comentários:

  1. Maravilhoso! Como de costume, li e reli mais este texto seu, Regina. Fragmentos seus muito bem recompostos por você, numa vida cheia de poesia e muita ternura, apesar das explosões. Maravilhoso!

    Bjos

    ResponderExcluir
  2. vc conheceu o seu Nenê(Jeronimo Teles), das minas de Cerquilho, na época da explosão? existem descendentes dele na cidade?

    ResponderExcluir