segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Um Ford inglês Prefect - ano 1950



       


 
Na rua Dr. Campos, número 6, em Cerquilho, ficava nossa casa, grande e modesta, de paredes altas e janelas e portas abertas para a rua e o quintal. Cresci com a ventura dos quintais e a alegria das ruas. Crianças espertas, éramos divertidos camaleões entre as ramagens das árvores, a poeira e a lama das ruas e a fumaça dos trens.
Das janelas para os fundos víamos crescer e amadurecer frutos de delícia incomparável, a ouvir os sons bizarros dos animais e bichos que viviam em nossos pomares e se misturavam  às vozes da meninada.
As janelas para a rua abriam-nos para o mundo. E o mundo vastíssimo de chão batido era circo, teatro, quadra esportiva, escola. Jogos de peteca, amarelinhas, queimadas, fogueiras, rodas de ciranda, malabarismos e mágicas faziam a nossa festa. E não faltavam contorcionismos de todo tipo.
Podíamos contar os veículos nas poucas ruas e isto também se tornava brincadeira.  Eram o táxi do Tio Tidinho, os ônibus do Tio Tico Rosa da  Silva, carros, caminhonetes e caminhões FNM e da Ford que contávamos nos dedos. Alguns carros de Tietê e cidades vizinhas aumentavam a frota e a nossa contagem se avantajava.
Havia um carro que chamava minha atenção desde tenra idade por ser diferente e porque suas idas e vindas tinham propósitos especiais. Era o Ford inglês, modelo Prefect, ano 1950 de cor bege do médico Dr. Vinício Gagliardi. Se quiser, veja um carro igualzinho ao dele no canal https://youtu.be/ikcaNHxGIh8.  
Único médico da cidade, Dr. Vinício, esse notável homem de  sorriso jovial e simpático, atendia no Posto de Saúde e em casas de ricos e pobres com a mesma atenção. Seus cuidados médicos transcendiam a medicina da época e curou muita gente com graves enfermidades. Salvou-me de um choque anafilático e a uma de minhas irmãs com sério problema pulmonar. Anjo salvador, não abandonava a casa do paciente enquanto não sentisse melhoras e muitas foram as noites, chovesse ou não,  em que ele saiu com seu Prefect em estradas de terra, cafundós de sítios e fazendas com a responsabilidade de assistir a partos difíceis e a doentes em fase terminal. Levava a cura e trazia a vida em quartos escuros, mal iluminados com fracas luzes de velas e lamparinas. Quando a morte era inevitável, dava para notar sua enorme frustração.
Não à toa, essa é uma das lembranças mais marcantes nas ruas da minha infância, o Ford Prefect de cor bege indo e vindo pela cidade e estradas rurais e o seu dinâmico condutor, médico sem fronteiras, sempre de plantão, Pronto Atendimento daqueles dias em que não havia hospital em nossa pequenina Cerquilho. Somente em casos muito graves é que o Dr. Vinício encaminhava seus pacientes à Santa Casa de Tietê ou a cidades maiores.
Essa incrível história de um médico, seus serviços humanitários  e seu Ford Prefect ano 1950 que já publiquei certa vez e volto a ela, pois a personagem em foco merece nossas homenagens inúmeras vezes, é, sem dúvida, a história de uma grande alma. 

Regina Gaiotto - Publicado na Revista Vitrini - Tietê/SP - Set/2015

3 comentários:

  1. Marcos, Tone Gaioto, Eu,Milo',íamos fazer a praça em Tiete muitos fins de semana para pequerar.kkk Qtas lembranças....
    ...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lembro-me bem de vocês pegando ônibus para irem fazer praça em Tietê, José Fernando Sanson. Lembranças boas, realmente! Obrigada pela visita aqui em meu blog! Abraços

      Excluir
  2. Marcos, Tone Gaioto, Eu,Milo',íamos fazer a praça em Tiete muitos fins de semana para pequerar.kkk Qtas lembranças....
    ...

    ResponderExcluir